Guia para percorrer o Caminho Português de Santiago Interior
A ideia de percorrer o Caminho de Santiago era algo que se tinha infiltrado na minha lista de viagens de sonho há já algum tempo. Quando surgiu a oportunidade de, finalmente, fazer o Caminho Português de Santiago Interior não podia ter ficado mais entusiasmada.
O convite partiu do agrupamento de municípios do Caminho Português de Santiago Interior. O objetivo: partilhar com o maior número de pessoas possível a “Via Interior”, uma alternativa aos Caminhos Central e da Costa que, diz quem já o percorreu, é um dos percursos mais bonitos e introspectivos para peregrinos em Portugal.
Aceitei o convite e, em setembro de 2022, lá parti rumo a Viseu, o local de início do Caminho do Interior. Neste artigo partilho contigo algumas dicas úteis, factos interessantes e opiniões sobre a minha experiência no Caminho Português de Santiago Interior. Que te sirva de inspiração e guia, caso o decidas percorrer um dia também.
| Nota: A minha experiência no Caminho do Interior teve a duração de 4 dias, nos quais tive a oportunidade de percorrer a pé parte do Caminho e visitar alguns dos locais mais interessantes dos concelhos que este atravessa. |





O Caminho de Santiago Interior
A origem do Caminho de Santiago
O nome do Caminho tem origem na história de São Tiago, um dos doze apóstolos de Jesus Cristo que, após a ressurreição do mesmo, foi incumbido de evangelizar a Península Ibérica. No regresso à Palestina, São Tiago foi morto pelo medo de que se viesse a tornar demasiado popular.
Os seus discípulos, Atanásio e Teodoro, transportaram secretamente o seu corpo de volta à Galiza para que lhe fosse dado um funeral digno, atravessando, de barco, os caminhos por onde este tinha pregado. Séculos depois, um eremita chamado Pelayo viria a descobrir o túmulo de Santiago. As notícias desta descoberta chegariam rapidamente ao Papa e aos governantes da época, dando origem à veneração de Santiago.

Sobre o túmulo descoberto de São Tiago, viria a ser construída uma modesta igreja que, entre o século 11 e 12 daria lugar à atual Catedral de Santiago de Compostela. Esta vir-se-ia a transformar num dos mais populares locais de peregrinação cristã, logo a seguir a Roma e Jerusalém. As rotas que cruzavam a Europa Ocidental e Portugal até Santiago de Compostela, complementadas por albergues e hospícios destinados aos peregrinos, viriam a ser conhecidas como o Caminho de Santiago.

Hoje em dia, o Caminho é percorrido, não só por razões religiosas, como também por razões relacionadas com desafios pessoais, necessidade de introspeção profunda ou um simples desejo de aventura.
| Os peregrinos do Caminho de Santiago poderão solicitar uma Credencial do Peregrino – uma espécie de Passaporte do Peregrino – que poderão carimbar ao longo do percurso. Os carimbos podem ser obtidos em albergues, paróquias, mosteiros, catedrais, hotéis, juntas de freguesia ou câmaras municipais, entre outros. A Compostela – certificado de conclusão do Caminho – é atribuída apenas a quem apresentar esta Credencial totalmente carimbado. Alguns albergues requerem também a sua apresentação. Tem um custo de €2 e pode ser obtida nos albergues, em certas instituições religiosas pelo Caminho ou online, aqui. Em Viseu, poderás obtê-la neste locais: Loja de Turismo, Museu Almeida Moreira, Albergue do Fontelo, Albergue do Almargem e Igreja do Carmo. |



Itinerário do Caminho Português do Interior
Com início na cidade de Viseu, o Caminho Português de Santiago Interior estende-se ao longo de cerca de 200 km até à fronteira com o Norte de Espanha, em Chaves. Passa pelos concelhos de Viseu, Castro Daire, Lamego, Santa Marta de Penaguião, Peso da Régua, Vila Real, Vila Pouca de Aguiar e Chaves. Ao entrares em Espanha, terás ainda de percorrer mais 180 km até chegares finalmente a Santiago de Compostela.

Identificado pelas famosas setas amarelas ou sinalética oficial, o Caminho atravessa aldeias típicas, cidades históricas, florestas, campos agrícolas, ecovias e estradas, ao longo das quais encontras vários albergues onde poderás ficar alojada pagando apenas a contribuição que achares justa.

| Os albergues são alojamentos, muitas vezes fruto do aproveitamento de antigas escolas primárias nas aldeias, compostos por uma cozinha de uso comum, casas de banho com duche e quartos com beliches. A reserva do alojamento deverá ser feita por telefone para que o responsável pelo mesmo (normalmente um habitante da própria aldeia) possa preparar e abrir o espaço. O pagamento é voluntário, o peregrino é que decide quanto quer deixar. |



As etapas do Caminho Português do Interior
Apesar das informações díspares que se encontram online, o Caminho do Interior encontra-se oficialmente dividido em 11 etapas que te podem ajudar a construir o itinerário ideal para a tua peregrinação. Neste artigo decidi agrupar as etapas por concelhos para te dar uma visão mais clara do que poderás ver e fazer em cada um.
⚲ Concelho de Viseu
| Etapa 1 | Farminhão – Fontelo: 16,3 km – 3h33m – Nível de dificuldade: Difícil Etapa 2 | Fontelo – Almargem: 15,6 km – 3h7m – Nível de dificuldade: Médio Etapa 3 | Almargem – Ribolhos: 23,3 km – 5h49 – Nível de dificuldade: Muito difícil |
Dentro do Concelho de Viseu existem 3 etapas a percorrer. Poderás fazer uma etapa por dia, caso queiras levar o teu tempo, ou juntar por exemplo 2 etapas num só dia e deixar a mas dificil para o segundo dia. Recomenda-se atenção redobrada nas descidas em Soutulho (etapa 1), na estrada romana de Pousa Maria (etapa 2) e na descida para Cabrum (etapa 3).
Destaques
Dentro do concelho de Viseu, o Caminho atravessa zonas florestais, aldeias e a cidade histórica de Viseu. Se nunca visitaste Viseu, esta é a oportunidade para “perderes” algum tempo a explorar a cidade. Para mim foi uma primeira vez e devo dizer que fiquei impressionada com a quantidade de monumentos que ali se encontram.

A não perder
- Praça da Catedral
- Museu Grão Vasco
- Forte de Viriato
- Painel de Azulejos do Rossio
- Parque do Fontelo
- Rio Paiva






Alojamento
- Allgo Hostel (este foi o hostel onde fiquei em Viseu na primeira noite, antes de iniciar o Caminho. Muito limpo, dormitórios com alguma privacidade e bom pequeno almoço. Localização central, perto da Praça da Catedral. Também têm quartos privativos.)
- Welcome Inn Viseu
- Albergue do Fontelo (Viseu | +351 938 052 322 / +351 966 569 600)



⚲ Concelho de Castro Daire
| Etapa 4 | Ribolhos – Bigorne: 19,9 km – 4h58m – Nível de dificuldade: Muito difícil |
Recomenda-se algum cuidado na escalada acidentada desde a ribeira de Cabrum até Vila Meã.
Destaques
Castro Daire distingue-se pela sua beleza natural e pela simpatia dos seus habitantes, sempre prontos para dois dedos de conversa e para ajudar os (poucos) peregrinos que fazem o Caminho. Alguns dos destaques do Caminho neste concelho caem sobre a aldeia de Mões – a terra senhorial de Dom Egas Moniz na Idade Média -, a travessia do Rio Paiva e a Serra do Montemuro que serve de cenário para a caminhada.

A não perder:
- Igreja de São Pedro e Pelourinho (Mões)
- Capela de Santiago (Moura Morta)
- Capela de Santiago (Baltar)
- Pedras da Travessia do Rio Paiva
- Praia Fluvial de Folgosa
- Cenário da Serra de Montemuro






Alojamento:
- Albergue de Ribolhos (Ribolhos, Castro Daire | +351 232 319 154)
- Albergue de Moura Morta (Moura Morta, Castro Daire | +351 232 319 154)
- Isabel do Couto Casa de Charme (Castro Daire)
⚲ Concelho de Lamego & Peso da Régua
| Etapa 5 | Bigorne – Lamego: 16,4 km – 3h16m – Nível de dificuldade: Médio Etapa 6 | Lamego – Bertelo: 27,2 km – 6h48m – Nível de dificuldade: Muito difícil |
Recomenda-se algum cuidado no percurso entre o Peso da Régua e Santa Marta de Penaguião (etapa 6), devido à inclinação acentuada do percurso de montanha.
Destaques
A chegada a Lamego marca também a entrada na região do Alto Douro Vinhateiro, a região vinhateira demarcada mais antiga do mundo, Património Mundial da UNESCO desde 2001. Lamego em si, conhecida como a cidade com mais monumentos históricos por m2 em Portugal, é merecedora de uma paragem para visita.
Para além do concelho de Lamego, a Etapa 6 atravessa também o concelho de Peso da Régua, onde, entre outras coisas, te espera uma travessia a pé pela ponte pedonal sobre o rio Douro (quando feita ao por do sol é ainda mais especial).

A não perder:
- Santuário de Nossa Senhora dos Remédios (Lamego)
- Teatro Ribeiro Conceição (Lamego. Uma réplica do Scala em Milão)
- Catedral de Lamego (Lamego. Procura as figurinhas com “bolinha vermelha” que se escondem no arco da porta.)
- Igreja de Almacave (Lamego. Onde se diz terem sido realizadas as primeiras cortes de Dom Afonso Henriques.)
- Museu do Douro (Peso da Régua. Sabe mais sobre a história da região, intimamente ligada ao Rio Douro e, no final, relaxa com uma degustação de vinho do Porto com vista para o rio.)
- Tríptico de vitrais da década de 30 na Casa do Douro (Peso da Régua)









Alojamento:
- Albergue do Complexo Desportivo de Lamego (Lamego | +351 254 619 403 / +351 254 090 242)
- Hotel Solar dos Pachecos (Lamego)
- Hotel Columbano (Peso da Régua)
- Hotel Regua Douro (Peso da Régua)
⚲ Concelho de Santa Marta de Penaguião
Etapas
| Etapa 7 | Bertelo – Vila Real: 11,3 km – 2h49m – Nível de dificuldade: Muito difícil |
Destaques
No concelho de Santa Marta de Penaguião, o Caminho faz-se com vista para a incrível paisagem do Alto Douro Vinhateiro. Espera-te uma travessia sobre o rio Sordo e algumas passagens pela estrada nacional, onde recomendo algum cuidado e que circules sempre o mais junto à berma possível.

A não perder:
- Igreja de São Miguel de Lobrigos
- Marcos Graníticos da Demarcação da Região do Douro
- Miradouro Espaço Douro Vivo






Alojamento
- Albergue Bertelo (+351 259 969 115/ +351 254 810 130)
- Quinta da Pousada
- Casal dos Capelinhos
⚲ Concelho de Vila Real
Etapas
| Etapa 8 | Vila Real – Parada de Aguiar: 26 km; 5h45; Nível de dificuldade: Difícil |
Maior dificuldade na zona de Parada de Cunhos, na aproximação à estrada nacional, e a travessia do rio Corgo em Vilarinho da Samardã.
Destaques
Ao longo desta etapa terás a oportunidade de admirar dois tipos de paisagem: a mais montanhosa, marcada pelas serras do Marão e do Alvão, e a zona a Sul, onde se destacam as encostas cobertas com vinhas, junto ao rio Douro. Aproveita para explorar a cidade de Vila Real, a antiga “corte de Trás-os-Montes”.

A não perder
- Sé Catedral de Vila Real
- Museu de Vila Real
- Capela de São Brás
- Palácio Mateus
- Jardim Botânico da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
- Parque Natural do Alvão
- Provar os Covilhetes, as empadas típicas de Vila Real







Alojamento
- Vila Real Loft 360º (Vila Real)
- Hotel Miracorgo (Vila Real)
- Hotel Quinta do Paço (Vila Real)
⚲ Concelho de Vila Pouca de Aguiar
| Etapa 9 | Parada de Aguiar – Vidago: 22,22 km; 4h05; Nível de dificuldade: Fácil |
Destaques
Esta etapa leva-te até ao coração de Trás-os-montes, onde atravessarás antigas estradas romanas, tranquilas zonas rurais e vales férteis. Aproveita para admirar as paisagens marcadas pelo granito e pelas águas medicinais, dois elementos naturais parte da essência e história da região. Classificada como “fácil”, esta etapa permitir-te-á absorver ao máximo a beleza do Caminho.

A não perder:
- Parque termal das Pedras Salgadas
- Lagoa do Alvão
- Ponte de Cidadelha
- Castelo de Aguiar da Pena











Alojamento:
- Albergue de Santiago Parada de Aguiar (+351 259 419 100 / +351 962 406 633 / [email protected])
- Hotel Europa (Vila Pouca de Aguiar)
- Hotel Aguiar da Pena (Vila Pouca de Aguiar)
- Pedras Salgadas Spa & Nature Park (Pedras Salgadas)
- Casa Fontes (Pedras Salgadas)
⚲ Concelho de Chaves
| Etapa 10 | Vidago – Chaves: 18 km; 3h56; Nível de dificuldade: Difícil Etapa 11 | Chaves – Vilarelho da Raia, fronteira: 15 km; 2h54; Nível de dificuldade: Médio |
Destaques
Nas duas últimas etapas do Caminho Português de Santiago Interior entramos no concelho de Chaves, o último pedaço de território português antes de entrar em Espanha.
Chaves em si é uma cidade que me encantou particularmente, tendo sido a primeira vez que a visitei. Marcou-me a carga histórica da cidade, refletida nos vários monumentos que alberga e alguns extremamente bem conservados vestígios de ocupação romana.

A não perder:
- Hotel Vidago Palace (Vidago)
- Ponte Romana de Trajano (Chaves)
- Km 0 da EN2 (Chaves)
- Museu das Termas Romanas de Chaves (Chaves)
- Miradouro de São Lourenço (Chaves)







Alojamento
Nota final
Sejamos honestos: o Caminho Português de Santiago Interior não é dos Caminhos portugueses melhor “equipados” para os peregrinos. Não existe muita variedade de alojamentos, os albergues vão sendo criados aos poucos, e existem zonas em que a sinalização poderia estar melhor colocada (um GPS é essencial).
Também não fiquei extremamente impressionada a nível de restauração, mas talvez não tenha simplesmente ido aos locais certos, aqueles que se descobrem por acaso e que se revelam merecedores de um lugar especial na nossa memória.
Mas o Caminho do Interior vale pela autenticidade das suas gentes, terras e costumes, e pelas suas magníficas paisagens naturais praticamente intocadas. Pelo facto de não ser uma das Vias mais populares em Portugal (atualmente), oferece-te momentos de introspeção únicos, de comunhão com o teu eu interior e de total assimilação de tudo o que o Caminho tem para te oferecer.
Se é autenticidade e comunhão contigo mesmo que procuras, é no Caminho Português do Interior que as encontras.
A viagem pelo Caminho Português de Santiago Interior foi feita a convite. As opiniões expressas neste artigo são, no entanto, totalmente minhas, sem qualquer influência de terceiros.
