Depois de um atraso de mais de 1 hora do voo da StarPeru em Cusco, lá chego eu a Lima para a última etapa desta viagem pelo Peru. O Fausto, um português a viver em Lima há já 4 anos, foi impecável e ofereceu-me sitio para ficar na cidade, na casa da Giuliana, a sua namorada Peruana, na zona de Surquillo. Aceitei claro! O que melhor do que conhecer uma cidade na companhia de alguém que lá vive? Estava com um feeling que iria acabar a minha viagem de forma perfeita.
Com a morada no telemóvel, meto-me num taxi dos Taxi Green e vou ter com eles à zona de Barranco, onde o Fausto mora. Uma simpatia os dois. A Giuliana, muito querida e Peruaníssima, como me dizia o Fausto um dia antes por mensagem, e ele muito simpático e com uma energia e entusiasmo fantásticos. Tenho tempo apenas para trocar de roupa para algo mais leve, já que o calor em Lima pouco tem a ver com o fresquinho que se sentia nos picos de Cusco, e levam-me a almoçar num restaurante à beira mar chamado La Trastienda, na Costa Verde, com um ambiente chill-out acompanhado de uma maravilhosa brisa marítima que era mesmo o que eu estava a precisar naquele momento. Um ceviche, algum sushi, um cocktail e uma garrafa de Muralhas (sim, Muralhas no Peru!!!) depois, e seguimos rumo a Barranco de novo.
Fiquei encantada com Barranco. Esta zona perto do oceano Pacífico seria sem dúvida a minha zona de eleição para viver, caso o destino me trouxesse um dia para Lima de forma mais prolongada. Ali sente-se aquele ambiente tranquilo e descontraído de Verão. As ruas, largas, estão preenchidas quer por edifícios de arquitectura mais moderna, quer por palacetes antigos que com o tempo acabaram por se deixar ficar apenas como elemento decorativo e como testemunhas de um tempo em que Barranco era a zona balnear de excelência das classes mais altas e dos estrangeiros que viviam na cidade, responsáveis pelo estilo europeu que caracteriza estes palacetes.
Ali é possível encontrar imensas galerias de arte, restaurantes, cafés e bares, alguns mais modernos, outros mais tradicionais, que lhe conferem um magnifico ambiente artístico e boémio. Seguimos até ao Miradouro, passando pela Puente de los Suspiros onde, reza a lenda, que se se fizer um desejo e passar a ponte até ao outro lado sem respirar, este se concretiza. Lá tentei a minha sorte, apesar de ter chegado ao outro lado já um bocadinho roxa.
Bebemos uma caneca de cerveja num dos bares mais antigos da cidade, o Juanito Bodega Bar perto da Plaza Central de Barranco, aberto desde 1938 e com um ambiente que me encantou. As paredes, completamente repletas de memórias em forma de fotografias, cartazes e afins, atestam a antiguidade e autenticidade do espaço. Junto à porta, uma fotografia com o que supus serem os seus 3 fundadores, tirada por volta dos anos 40, que mais parecia um retrato de um trio de mafiosos italianos.O espaço tem sido ponto de encontro de artistas, escritores e poetas há já quase 80 anos. Como eu adoro sitios assim.
No dia seguinte bem cedo pela manhã estávamos os 3 (eu, o Fausto e a Giuliana) a seguir rumo a San Bartolo a cerca de 50 kms a sul de Lima, onde faria praticamente a única atividade que me faltava fazer no Peru: surf, claro! Esta viagem não parecia conseguir deixar de me surpreender.
Em San Bartolo o destino era a Escola de Surf Kalani onde o Domingo, o dono da escola, não só dá aulas de surf a humanos, como a cães. Sim, a cães! Os seus dois bulldogs americanos (pai e filho) são campeões de surf (sim, existem campeonatos de surf com cães) e umas xuxuzices também. Não me envergonhei muito e acabei por me conseguir pôr em pé algumas vezes na prancha, apesar de ter sentido bem o esforço no dia seguinte nos ombros e nas costas! Começo a ter de admitir que a idade começa a passar por mim… 🙁 Isso ou falta de exercício. Ou os 2 vá, pronto.
Depois de San Bartolo passámos ainda por umas ruínas Incas chamadas Pachacamac. Por apenas 15 soles visitámos o museu (bastante interessante) e seguimos de carro para ver as ruínas em si. Achei interessante do ponto de vista de testemunho da presença de uma civilização tão antiga junto à costa, algo que não é muito habitual já que este tipo de ruínas se costuma situar predominantemente em zona de montanhas, mas mais por causa disso, já que, não sendo possível uma aproximação às ruínas, este local acaba por não ser assim tão impressionante.
Almoçámos ainda na zona de Lurim, perto de Pachacamac, num Eco Restaurante chamado Chaxras, quase no meio do nada, numa zona onde só existiam grandes restaurantes. A caminho, dezenas de pessoas metiam-se no meio da estrada numa tentativa desesperada de chamar a atenção de potenciais clientes para os seus respetivos restaurantes. Era incrível toda aquela competição para ver quem conseguia ser mais eficaz na sua demonstração de atração de clientes. Por várias vezes achei que pudessem ser atropelados, tal o seu entusiasmo e rapidez com que se lançavam sobre a estrada.
O restaurante, com um conceito orgânico e ecológico, apesar de se encontrar no meio de uma paisagem árida e desértica, estava rodeado de jardins verdejantes onde não faltava espaço para as crianças se entreterem com várias atividades. Nas paredes o sinal de “Não há Wi-Fi, conversem mais.”, não poderia ser mais claro quanto ao seu conceito. Almocei um arroz meloso vegetariano que estava de chorar por mais. No final, uns picarones, uma espécie de farturas Peruanas, para adocicar a boca.
O dia seguinte seria segunda-feira e, a partir daí, até 4ª feira, o dia da minha partida, estaria por minha conta durante o dia pelo menos, já que os meus anfitriões tinham de ir trabalhar. Sigo o conselho que me deram e chamo um Uber para me levar à zona do Malecón de Miraflores (uma espécie de marginal), junto ao centro comercial Larcomar. Ao chegar ao destino não há como não ficar impressionada com o centro comercial onde iria almoçar, antes de partir numa caminhada no Malecón. O centro comercial, praticamente todo aberto, tem uma vista impressionante sobre o azul profundo do oceano Pacifico. Peço uma sandes num dos restaurantes que lá se encontravam e sento-me junto a uma das paredes de vidro, na primeira linha de mar. Confesso que não estava à espera daquele momento.
Relaxo um pouco e sigo rumo ao Farol que se encontrava a poucos kms de distância. Pelo caminho passo por vários jardins e parques, extremamente bem tratados, onde se encontravam algumas pessoas sentadas na relva à sombra, ou turistas a apreciarem as impressionantes vistas. Ao passar pela zona de onde saem os parapentes para passeios sobre a praia, sinto-me quase quase tentada a arriscar. Peço algumas informações e dizem-me que se quiser, por $85 posso partir naquele preciso momento num voo de 10 minutos. O espirito de aventura que dominou toda a viagem continua a insistir em manifestar-se, mas consigo controlá-lo e deixar o voo de parapente para outra oportunidade futura. Na verdade eram $85 por apenas 10 minutos… Talvez em Celorico da Beira, a terra do Parapente, na Beira Alta, consiga uma melhor oferta.
No dia anterior tinha-me comprometido a compensar os meus anfitriões com um jantar feito por mim, pelo que regresso ao Larcomar, o centro comercial, para comprar alguns ingredientes. Já na caixa, depois de algum tempo a tentar decidir o que levar, no momento de pagar apercebo-me que não tenho nem um cartão de crédito comigo e que o dinheiro efectivo que tenho na carteira não é suficiente para pagar a conta. Oh, vergonha. Peço imensa desculpa à moça da caixa e sigo caminho de volta para casa com a cara da cor de um tomate. Acabo por ir a um supermercado mais perto de casa da Giuliana, indicado pelo Sr. Arturo, o porteiro do prédio, e lá consigo manter a minha promessa de um jantar caseiro. Depois do jantar (um risotto de cogumelos bastante aceitável, modéstia à parte) a Giuliana ensina-me como preparar um Chilcano, um cocktail à base de Pisco (a bebida tradicional do Peru), limão e xarope de cana. No fundo, uma espécie de caipirinha. Um chilcano transforma-se em alguns chilcanos, a conversa revela-se boa demais e no dia a seguir a cabeça e o corpo pesam um bocadinho (ai, onde foram os meus 20 anos…?).
O Pisco leva a melhor sobre mim e acabo por me deixar ficar o dia seguinte todo em casa, aproveitando também para trabalhar um pouco mais. Nessa mesma noite, a última antes de partir rumo a casa, vamos jantar ao Hotel B, em Barranco, considerado um dos melhores hotéis da América do Sul, pelo que me diz o Fausto. O jantar: rodízio de pizzas. Fabulosas. Daquelas de massa bem fininha e estaladiça e com um recheio de babar, acompanhadas por um bom copo de vinho tinto, num ambiente muito artsy e elegante. Parece-me que foi uma óptima forma de passar a minha ultima noite em Lima.
No último dia, quarta-feira, decido aproveitar ainda as horas que tenho livres até ao voo nessa mesma tarde. Saio de manhã para Barranco de câmara fotográfica em riste. Queria conseguir ter a oportunidade de fotografar aquele bairro como deve ser, à luz do dia, algo que não tinha conseguido durante a minha primeira visita alguns dias antes. Confirmo, uma vez mais, que é de facto uma zona incrível para se viver e sigo encantada pelas suas ruas fora. Já perto da hora de almoço dirijo-me a um restaurante que me tinha sido recomendado pelo Fausto, chamado Canta Rana. Ele dizia-me que era um restaurante típico não muito caro. Pareciam-me argumentos suficientes. E comprovei-o mal cheguei lá. O restaurante tinha um ambiente parecido ao do Juanito. Não havia um único espaço livre nas suas paredes que não estivesse preenchido com fotografias de jogadores, de clientes, dos donos, assim como cartazes de filmes antigos e bandeiras e tshirts de clubes de futebol argentinos e peruanos. Tudo gritava autêntico, tradicional, e eu batia palmilhas por dentro de feliz por estar a usufruir da minha última refeição no Peru naquele sitio único. Escolhi ceviche misto para o almoço, acompanhado por uma cerveja Cristal bem fresquinha. O empregado que me serviu, ao ver a minha Nikon em cima da mesa, pergunta-me se sou fotógrafa. Digo-lhe que não, que tenho um blog para o qual escrevo artigos de viagem e a câmara serve para ilustrar as minhas viagens. Pergunto-lhe se posso tirar algumas fotos dentro do restaurante. Diz-me que sim, mas só se eu tirar depois uma foto com ele. Negócio feito!
Chega a hora de partir rumo a casa da Giuliana para ir buscar as minhas malas e pôr-me a andar para o aeroporto. Chamo um Uber com uma antecedência de 1h30, porque não confio absolutamente nada no trânsito de Lima. Esta precaução acaba por se revelar acertada, já que acabo por chegar ao aeroporto em cima da hora. Trânsito caótico não é propriamente uma novidade para mim, o tempo que viajei na Ásia deu-me vários exemplos disso, mas em Lima, ao caos do trânsito, junta-se a agressividade e testosterona em demasia dos seus condutores, o que transforma as estradas da cidade num autêntico campo de batalha.
Ainda no Uber, depois de mais de meia hora enfiados no trânsito, eu e o meu condutor começamos a conversar. Já não sei bem como começou a conversa, mas acabei por descobrir que ele era um escritor de contos de terror. Diz-me para espreitar os livros que estão guardados junto à minha porta e que um deles, chamado “Hechos Desconocidos” é o último livro que publicou. Abro o livro e logo na contracapa vejo uma fotografia do autor. E não é que é mesmo o meu condutor? Fala-me da sua paixão pela escrita, que infelizmente tem de ter um trabalho à parte porque não consegue viver só disso por enquanto e conta-me tudo sobre os livros e ideias que já tem em desenvolvimento. As histórias de terror são a sua paixão e já tem pelo menos mais de 80 contos escritos à espera de serem publicados. DIgo-lhe que apesar de não ser escritora de livros, escrevo artigos para o meu blog de viagem. Os seus olhos brilham e chama-me “colega” todo entusiasmado. Não quero sair do carro sem levar uma memória daquele momento. Pergunto-lhe se me vende o livro, quanto custa. Ele diz que só tem aquele e que era mais para ter no carro para mostrar aos passageiros. Oh… Não escondo uma cara de desapontamento a que ele acaba por não resistir. “Olha, sabes que mais? Eu ofereço-te esse livro”. “Não, não, nem pensar! Eu insisto em pagar!! Quanto é?”. Ele continua a insistir em oferecer-me o livro. Diz que de qualquer forma já não está em ótimas condições e que gostaria que eu o considerasse uma cortesia entre colegas. Pronto, lá acabo por aceitar. No final da viagem assina-me a primeira página do livro e escreve-me uma dedicatória:
“Para Maria. Con aprecio y admiración de un colega escritor .
Por el gusto de disfrutar estas historias.
– Jim Rodriguez”
Queria ter tido a oportunidade de tirar uma fotografia com ele para gravar o momento, mas infelizmente já não consegui. A policia insistia para que ele avançasse com o carro depois de me deixar no aeroporto.
Algumas horas depois estou a embarcar no avião da Air France rumo a Lisboa, com uma pequena escala em Paris. E é neste segundo voo, já com destino a Lisboa, que vos escrevo esta crónica. Quis esperar até ao último momento para não deixar escapar nenhum momento especial dos meus últimos dias em Lima e no Peru.
2 Comments
Parto no sábado para o Peru para uma visita de 3
semanas. Obrigada pelas dicas! 😉
Que maravilha 🙂 Uma excelente viagem e espero que as dicas venham a ser úteis!